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Cyberstalking: agora é crime, ok?

Direitos

Quem nunca deu uma fuxicadinha no perfil daquela pessoa? Ou ficou torcendo para o insta ser aberto? Uma espiadinha básica nas redes alheias faz parte, mas, neste episódio, Caio Machado e Letícia Duarte vão falar sobre o que acontece quando essa stalkeada vira uma ameaça grave e assédio psicológico. O novo crime de perseguição, ou stalking, foi incluído recentemente no Código Penal Brasileiro – e pode render multa e até três anos de prisão nos casos mais graves. Vamos destrinchar o mundo do Cyberstalking, uma ameaça que frequentemente começa nas redes, mas tem efeitos bem concretos e perigosos no mundo real.

Transcrição

Quem nunca deu uma fuxicadinha no Orkut? Ou ficou torcendo para a pessoa ter o instagram aberto? É, uma espiadinha básica nas redes alheias faz parte, mas hoje a gente vai falar do que acontece quando essa stalkeada vira uma ameaça grave e assédio psicológico. O novo crime de perseguição, ou stalking, foi incluído recentemente no Código Penal Brasileiro - e pode render multa de até três anos de prisão nos casos mais graves.

É, vamos destrinchar o mundo do cyberstalking - uma ameaça que frequentemente começa nas redes mas tem efeitos bem concretos e perigosos no mundo real.

Vamos entender o que é o stalking e a sua faceta digital, o cyberstalking. Stalking é um termo que vem do inglês (stalk), que significa “caçada/perseguição”. Ele caracteriza um padrão de comportamento onde uma pessoa obcecada por outra e a persegue obstinadamente. O termo surgiu por volta de 1980, quando fãs perseguiam artistas famosos em todas as partes. Ficou especialmente famoso quando começaram a acontecer casos extremos, ao ponto de alguns desses fãs tentarem assassinar artistas, como aconteceu com a cantora Madonna, em 1995.

Mas o cyberstalking não afeta apenas os ricos e famosos. De acordo com um estudo de 2014 do Pew Research Center dos Estados Unidos:

  • 41% a população já foi submetida a comportamento de assédio online
  • 66% das pessoas já testemunharam esses comportamentos dirigidos a outras pessoas
  • 1 em cada 5 pessoas (18%) já foi submetida a formas particularmente graves de assédio online, como ameaças físicas, assédio por um período prolongado, incluindo assédio sexual
  • 62% consideram isso um grande problema

Muitos querem que as empresas de tecnologia façam mais, mas estão divididos sobre como equilibrar a liberdade de expressão e as questões de segurança online, como proteção à privacidade.

Esse comportamento geralmente se inicia de forma sutil e vai piorando com o tempo. Ele tem toda uma dimensão psicológica, que não vamos comentar aqui, mas o importante é saber que as atitudes que parecem inofensivas e socialmente aceitáveis vão piorando gradativamente até chegar a uma incessante perseguição.

O stalker ou talvez abrasileirado seja “estalqueador” está verdadeiramente à espreita da vítima e assedia a mesma de diversas formas.  É evidente que esse comportamento, ao longo do tempo, acaba interferindo gravemente na autonomia da vítima, que pode começar a pensar duas vezes antes de sair de casa, só para evitar o constrangimento.

No digital acontece de tudo: desde e-mails, mensagens no inbox do instagram, telefonemas e até mesmo o bom e velho SMS. No cyberstalking, há ainda o perigo do agressor ser uma figura anônima, causando especial terror à vítima. Não se sabe se é uma pessoa conhecida, do círculo de convivência, ou uma pessoa louca em uma situação completamente distante.

Estudos indicam que, via de regra, o stalkeador é conhecido da vítima. Essa tendência já foi apontada num dos primeiros estudos sobre cyberstalking, feito em 2011 pela universidade de Bedford, de Ohio:

  • 77% das mulheres e 63% dos homens eram estaqueadas por conhecidos.

Outro estudo, feito por um professor do Central Institute of Mental Health, Mannheim, mostrou que em 70% dos casos o perseguidor era um conhecido da vítima:

  • 29,3% eram ex-parceiros.

Muita gente relata desconforto com os ataques na internet: a maioria das ameaças são vazias, mas você nunca sabe qual é a real. Tem um caso maluco aqui no Brasil em que o stalker de uma mulher era o próprio marido. Explico: a mulher era casada com um cara há pouco tempo e começou a receber contatos de estranhos. O conteúdo variava desde ofensas a ela, até elogios ao marido. Em alguns casos havia comentários específicos sobre o passado dela, o que é obviamente aterrorizante. Em outros, havia mulheres que diziam que roubariam o marido dela.

A polícia identificou 15 linhas telefônicas no nome de terceiros, que o agressor usava para assediar a mulher, a família dela e até a filha de 8 anos.

Vamos comentar melhor o modus operandi, o jeito de agir do cyberstalker: esse assédio se dá pelo contato reiterado, por múltiplos meios possíveis e imagináveis de comunicação. A pessoa muitas vezes se vale de contas falsas (isso deve dar uma trabalheira danada).

Nessa missão de infernizar a vida alheia, toda e qualquer informação vira munição na mão do stalker. Pode ser as pessoas que você marca na foto, a sua geolocalização, podem até tentar invadir as contas da vítima.

A partir daí a coisa vai escalando: podem tentar se aproximar dos amigos e familiares da vítima e vão chegando cada vez mais próximos. Nada impede que o stalking online passe para o offline. O negócio é sério!

Depois de tantos casos, os legisladores brasileiros passaram uma lei punindo criminalmente o stalking na forma do crime de perseguição. Então, desde 13 de março deste ano, o stalking virou crime na legislação brasileira. E olha que coisa curiosa, olha como a lei define esse crime:

“Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.”

A pena vai de 6 meses a 2 anos, mas pode ainda ser aumentada dependendo das condições do caso, por exemplo, se feito contra criança ou adolescente. Estamos falando de um crime que pode levar a 3 anos de prisão, sem mencionar outras medidas judiciais e reparação que a vítima pode pedir.

De acordo com a promotora Valéria Scarance, do Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo, no primeiro mês da vigência da lei foram registrados 686 boletins de ocorrência por esse crime em São Paulo. Já no Rio Grande do Sul, nestes três meses, foram registradas 1.085 ocorrências.

Nos Estados Unidos, o crime de stalking está previsto em lei desde a década de 1990. Dados do país e da Europa demonstram que a maioria das vítimas de perseguição é mulher. Segundo o projeto americano prevenção, conscientização e centro de Informações de stalking, uma em cada seis mulheres já foi stalkeada (contra um para 17 homens). Ao menos dois terços deles agem semanalmente. Muitos perseguem a vítima diariamente.

Agora, o importante mesmo é não chegar nessa situação, né? Não vale a pena se expor e passar esse tipo de constrangimento. O melhor é sempre se prevenir. A SaferNet, uma organização voltada para a proteção contra crimes online, dá algumas dicas importantes que valem para todos nós.

Toda e qualquer informação que colocamos na rede pode ser usada contra nós, por isso é importante pensar nas formas pelas quais pessoas indesejadas podem acabar acessando informações nossas. Sempre evite divulgar dados como endereço, local de trabalho/estudo ou telefone em redes sociais, sempre configurando o perfil para que apenas pessoas próximas tenham acesso as suas informações.

E pense bem, essas informações podem ser obtidas de maneiras bem inusitadas: uma selfie que mostra a sua casa ao fundo, ou que mostra o nome da empresa que você trabalha, ou respondendo a algum amigo em um grupo grande WhatsApp. Enfim, sempre pense em quais informações podem ser derivadas a partir do que a gente solta na internet.

Algumas dicas de Alexis A. Moore, fundador do grupo nacional de ativistas Survivors in Action: além de ter senhas seguras e duplo fator de autenticação:

  1. Monitore a Internet para ver como suas informações pessoais estão sendo usadas online. Certifique-se de que não há nada que você desconheça.
  2. Se você está encerrando seu relacionamento, redefina todas as suas senhas e remova-as do acesso a qualquer uma de suas contas, como cartões de crédito ou telefones celulares.
  3. Defina suas contas do Facebook e outras contas de mídia social como privadas para que apenas as pessoas que você deseja ter acesso possam ver suas postagens.

E, eu acrescentaria, use o poder do BLOCK: Bloqueie ou filtre todas as mensagens indesejadas.

Quem quiser saber mais, recomendo mais uma vez o Guia da Privacidade no Site do Instituto Vero. Nós vamos bater muito nessa tecla aqui porque a privacidade é mesmo central para nossa proteção online.

Além disso, sempre tenha muito cuidado com quem você está interagindo online. Suspeitar até mesmo de que sejam perfis falsos. Está rolando muito golpe no WhatsApp agora em que os criminosos “imitam” a conta de pessoas conhecidas, copiando nome e foto de perfil. A lógica é a mesma, pessoas mal-intencionadas podem se passar por conhecidos.

Por fim, nunca alimente essa galera. Não fique batendo papo ou mesmo retrucando. Registre tudo que for possível, por exemplo com capturas de tela, baixando conversas e o que mais for necessário. E bloqueie e denuncie o agressor na própria plataforma. Se necessário, leve as provas para a polícia. Agora, cyberstalking é CRIME.